quarta-feira, 27 de março de 2013

Transição nutricional: da desnutrição à obesidade






No Brasil, o problema do déficit na dieta está drasticamente sendo reposto pelo excesso. A rápida transição socioeconômica que atravessa o país parece ser o principal fator a alavancar a mudança nos hábitos alimentares em todos os segmentos da sociedade, atingindo até mesmo os habitantes de áreas rurais em localidades geograficamente mais isoladas.

Dados do último levantamento realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para o estado do Amazonas, realizado no período de 2008-2009, comparados a aqueles do levantamento anterior (2002-2003), mostraram uma queda significaticativa no consumo de farinha de mandioca e peixes - alimentos tradicionalmente consumidos, especialmente pela população ribeirinha - e um aumento no consumo de alimentos como arroz, feijão e carne e alimentos processados em geral. “Nas populações rurais mais isoladas, as consequências dessa mudança vão desde o surgimento de problemas de saúde até a perda conhecimento sobre o uso e manejo dos recursos naturais”, afirma o biólogo Rodrigo de Jesus Silva.


“De uma forma geral, independente da região geográfica amostrada, a transição alimentar no Brasil está ocorrendo no sentido da urbanização para o meio rural, onde a economia de consumo e a economia de excedente estão dando lugar para a economia de mercado”, explica Gabriela Nardotto, bióloga e integrante do projeto “ Mapeamento isotópico da dieta no Brasil – dos núcleos mais isolados aos grandes centros”. A pesquisa, coordenada pelo engenheiro agrônomo Luiz Martinelli, do Centro de Energia Nuclear na Agricultura, da Universidade de São Paulo (USP), pretende determinar o quanto o padrão alimentar de determinada população está vinculado ao seu real acesso à economia de mercado e ao processo de urbanização, tendo como foco principal as comunidades amazônicas.


Reflexos de um quadro mundial

O caso brasileiro não é exceção. Registros históricos de países desenvolvidos indicam que a dieta humana foi dramaticamente alterada a partir do advento da Revolução Industrial, sendo que altura e peso aumentaram progressivamente, particularmente durante o século XIX. A medida que as populações destes países alcançaram seu máximo potencial genético para o crescimento linear, as mesmas começaram a ganhar mais peso que altura, com o consequente aumento nos índices de prevalência da obesidade. Foi, então, no início do século XX, que a obesidade se tornou um problema de saúde pública, originalmente em populações dos Estados Unidos e da Europa.

Embora poucos países em desenvolvimento possuam dados de levantamentos nacionalmente representativos para avaliar tendências ao logo do tempo, nas últimas duas décadas, dados disponíveis mostram que o crescimento mais acentuado na obesidade tem ocorrido nos países em desenvolvimento, como o México, a China e o Brasil. Conforme aponta o relatório intitulado “ Obesity: preventing and managing the global epidemic”, elaborado pela OMS, em 2000, muitos dos países em desenvolvimento experienciam a coexistência da obesidade e da desnutrição, em um processo denominado transição nutricional, que pode ser descrito pela mudança nos padrões nutricionais através da modificação da dieta, basicamente através do aumento da ingestão de gorduras saturadas, açúcares, alimentos refinados e de origem animal e pela redução do consumo de carboidratos complexos e fibras.

Pode-se afirmar que as mudanças compreendidas pelos processos de transição nutricional, demográfica e epidemiológica são conduzidas por um conjunto de fatores que incluem urbanização, crescimento econômico, mudanças técnicas e culturais, apresentando peculiaridades em cada região ou país em que ocorrem. Embora, os padrões compostos por esses fatores possam ser pensados como desenvolvimentos históricos, tanto os padrões mais recentes, quanto os mais antigos, não estão restritos ao período no qual emergiram, podendo continuar a caracterizar certas populações em determinadas localizações geográficas e condições socioeconômicas. Dessa maneira, diversos estudos indicam que, de modo geral, até recentemente, a população rural adulta que ainda mantém um estilo de vida tradicional nos países em desenvolvimento ganhou pouco ou nenhum peso com o passar do tempo. Esse é o caso, por exemplo, de populações remanescentes de caçadores-coletores, como o povo San no norte de Botsuana na África.

Ainda que tais populações tenham mantido seus hábitos alimentares praticamente inalterados até os dias de hoje em função de seu possível isolamento geográfico e falta de contato com as cidades, forças como a globalização e a urbanização têm se infiltrado nos lugares mais remotos, numa velocidade cada vez maior.
MATERIA PUBLICADA NO SITE COM CIENCIA

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