Apesar de não ser considerado a cura para o
diabetes, um estudo realizado pela Unidade de Terapia Celular do Hospital das
Clínicas de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo (USP), vem obtendo
resultados animadores no tratamento de pessoas com a doença crônica. Das 25
pessoas que participaram do estudo com células-tronco, 21 deixaram de usar
insulina em algum momento, sendo que 3 mantiveram a liberdade
continuamente e 18 transitoriamente.
Em entrevista ao site da SBEM, o
Dr. Carlos Eduardo Couri, que coordena as pesquisas, fala sobre os
procedimentos utilizados, o perfil dos voluntários e a repercussão
internacional obtida com o sucesso da pesquisa. Confira:
Site da SBEM: Há quando tempo existe o estudo?
Dr. Carlos Eduardo Couri - Na década de 1990, um dos maiores
cientistas do Brasil, o imunologista Júlio Voltarelli (falecido em março de
2012), criou a unidade de terapia celular do Hospital das Clínicas de Ribeirão
Preto, da Universidade de São Paulo (USP). Esse centro é específico para o
tratamento de doenças autoimunes, como esclerose múltipla, esclerose
sistêmica e lúpus. Em 2003, o Dr. Voltarelli me convidou para integrar um novo
grupo de pesquisas e analisar se tínhamos condições de realizar otransplante de
células-tronco em pacientes com diabetes tipo 1 recém-diagnosticado.
Iniciamos, então, uma técnica pioneira no mundo, que hoje é exportada para
diversos países.
Site da SBEM – Quais são os métodos utilizados?
Dr. Carlos Eduardo Couri - Inicialmente é feita uma coleta
de células-tronco hematopoéticas através de veia periférica e, em seguida,
elas são congeladas. As células-tronco hematopoéticas são células-tronco
multipotentes que têm a capacidade de se diferenciar em elementos figurados do
sangue e no sistema imunológico. Estas células-tronco encontram-se normalmente
na medula óssea dos ossos e é considerada uma célula-tronco adulta.
Duas semanas após a coleta, faz-se a
imunossupressão intensa com o intuito de destruir completamente o sistema
imunológico “defeituoso” da pessoa com diabetes.
É como se fosse um desligamento do sistema
imunológico, com quimioterapia, em ambiente hospitalar. Após o desligamento do
sistema imunológico, ele é “religado” com o uso das células-tronco
hematopoéticas do próprio paciente.
Ocorre o que chamamos de “reset
imunológico”, fazendo com que o sistema imunológico pare de agredir
as células-beta pancreáticas. Assim, o restante das células-beta, que
ainda não foram destruídas tendem a produzir insulina de forma adequada
novamente. É importante frisar que as pessoas não estão curadas, mas sim
controladas e livres da insulina. Elas passaram por umareeducação
alimentar e atualmente monitoram a glicemia diariamente e
praticam atividades físicas constantemente.
Site da SBEM - Até o momento, quais foram os
resultados obtidos?
Dr. Carlos Eduardo Couri - Este método apresentou ótimos resultados:
das 25 pessoas que participaram do processo, 21 deixaram de
usar insulina em algum momento, sendo que três mantiveram a liberdade
continuamente e 18 transitoriamente. A grande maioria dos pacientes que
voltaram a usar insulina o fez com apenas pequenas doses
do hormônio em apenas uma injeção ao dia. Outro ponto importante é
que avaliações laboratoriais mostram que o pâncreas dos pacientes passou a
trabalhar mais e melhor vários anos após o transplante.
Devido ao fato, porém, de vários
pacientes retornarem ao uso de insulina (mesmo em baixas doses), em 2011
fizemos uma pequena mudança no protocolo de pesquisa, intensificando um pouco
mais o esquema de imunossupressão sem mudar as demais fases do projeto. Três
pacientes já foram incluídos e mostraremos os resultados em breve.
Vale à pena destacar que a equipe de
transplante é composta de inúmeros profissionais como médicos, enfermeiros,
técnicos de enfermagem, fisioterapeutas, psicólogos, terapeutas ocupacionais,
assistente social, etc. São mais de 50 pessoas envolvidas numa equipe que
praticamente é uma família.
Site da SBEM - Qual deve ser o perfil do
voluntário?
Dr. Carlos Eduardo Couri - Apesar dos excelentes resultados de
nossos estudos até o momento, trata-se de uma pesquisa que envolve riscos do
uso da quimioterapia. Além disso, não sabemos ao certo o resultado do uso de
células-tronco em longo prazo. Por estes motivos é que temos que ter critérios
rígidos de inclusão de pacientes voluntários em nossas pesquisas. Atualmente,
os critérios iniciais básicos são idade acima de 18 anos e diabetes tipo 1 há
menos de 5 meses.
O motivo de incluirmos apenas pacientes
recém-diagnosticados é que estes pacientes, via de regra, apresentam ainda uma
parte funcionante do pâncreas e isto é determinante para o sucesso terapêutico
da pesquisa. Diariamente recebemos inúmeros e-mails de pais, amigos e parentes
de portadores de diabetes solicitando inclusão, mas realmente não podemos abrir
exceções.
É bom destacar também que muitos
pacientes possuem os critérios de inclusão e optam por não participar de nossos
estudos devido aos potenciais riscos da quimioterapia. A quimioterapia promove
queda de cabelos, vômitos e pode induzir infertilidade. Além disso, após este
“reset imunológico”, o sistema imunológico recém-regenerado ainda não é maduro
e isto pode predispor a um maior risco de infecções.
Site da SBEM - Como se voluntariar ou indicar
pessoas para voluntariado?
Dr. Carlos Eduardo Couri - Caso o paciente tenha os critérios
inicias básicos, basta entrar em contato diretamente comigo no e-mail ce.couri@yahoo.com.br .
Site da SBEM - Qual tem sido a repercussão do
estudo no mundo?
Dr. Carlos Eduardo Couri - Pelo pioneirismo e originalidade da
pesquisa, conseguimos duas publicações como artigo original no concorrido
periódico JAMA (Jornal of the American Medical Association), uma das revistas
de maior fator de impacto na área médica. Além disso, tivemos diversas outras
publicações nacionais e internacionais. Pelo pioneirismo, o número de citações
de nosso trabalho é crescente e vários centros do mundo estão conduzindo
pesquisas baseadas nos nossos estudos.
Já em 2005 tivemos a honra de ganhar o
Prêmio de melhor trabalho do Brasil, concedido durante o Congresso da Sociedade
Brasileira de Diabetes em Salvador e, em 2008, recebemos o Prêmio de Melhor
Pesquisa Nacional em Prevenção de Doenças concedido pela Revista Saúde da
Editora Abril.
Com relação à repercussão no público
leigo, nossos resultados foram mostrados em Jornais internacionais como New
York Times, Le Monde e Financial Times e
no canal CNN. Ainda no cenário internacional, nossos estudos foram alvo de
programa no Discovery Channel Internacional e no canal Japonês
NHK.
No Brasil, vários canais de TV e vários
jornais têm noticiado nossos achados científicos.
Em 2011, conseguimos um feito pouco
comum entre pesquisas nacionais, que foi a aprovação de nosso protocolo pela
agência americana FDA (Food and Drug Administration) que regula remédios
e alimentos. Além disso, nossos estudos foram aprovados na Europa. Com isto,
nós atualmente coordenamos um estudo multicêntrico internacional envolvendo
Estados Unidos, França e possivelmente em breve Reino Unido.
Foram ainda realizados estudos
independentes replicando nossas pesquisas em países como Polônia e China com
resultados semelhantes aos nossos.
Site da SBEM - A utilização de células-tronco
pode ser considerada um caminho para a cura do DM1?
Dr. Carlos Eduardo Couri - Na minha opinião, o termo “cura” é
um termo muito forte quando falamos de uma doença crônica como o diabetes.
Mesmo nossos pacientes que estão completamente livres de insulina devem
continuar tomando dois remédios: alimentação saudável e atividade física
regular. Além disso, obviamente todos os pacientes mantêm monitorização diária
de glicemias.
Acredito que nossas pesquisas
com células-tronco ajudaram a trazer mais qualidade de vida aos
portadores submetidos à pesquisa. Em paralelo, existem outras pesquisas
extraordinárias em andamento como a do pâncreas artificial, insulina oral, insulina
inalada, monitores de glicose sem necessidade de perfurar os dedos, Smart
Insulin (insulina inteligente) que, em conjunto, nos mostram uma
perspectiva excelente para os próximos anos.
Todos os novos tratamentos e pesquisas
sérias em andamento estão sempre atrelados aos hábitos de vida saudáveis dos
pacientes. O que digo sempre aos pacientes que atendo no meu consultório:
“Duvide de qualquer tratamento mágico, rápido e não esteja associado a
atividade física regular e alimentação saudável”.
Se não temos a cura no momento, posso
dizer que a medicina mundial está a caminho de encontrar e a ciência brasileira
está colaborando muito para isto.
Por Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia
Nenhum comentário:
Postar um comentário